Escrita Tribal

sábado, junho 11, 2005

Cegos, chatos e birrentos

Por mais que uma criança queira ser matura e ter atitudes que provem a sua maturidade, continuará a ser uma criança, da mesma forma que um pássaro que sai do ninho e efectua o seu primeiro vôo não pode ter a mesma agilidade, a mesma compreensão da aerodinâmica, dos ventos, tudo aquilo que com o viver vai aperfeiçoar o seu vôo.

A experiência, a tentativa e o erro, e a noção de que por mais que se pense que se saiba, haverá sempre mais a aprender, é a prova de que todos somos crianças, mesmo que tenhamos diferentes níveis de maturação numa ou noutra área.

A negação da nossa inexperiência, ou indignação quando alguém a afirma, é apenas evidência da nossa real infantilidade, reacção comparável ás birras de quem tem sono e quer à força ficar acordado. Mas as birras não enganam ninguém além do birrento, que não quer admitir a sua falta de maturidade.

A birra pode ser irritante, incómoda, incompreensível até, para quem tem de a suportar, porém, a mais absoluta cegueira acerca da birra está com o birrento, que esperneia, chateia, incomoda-se a si e aos outros, até conseguir cansar os outros ou e a si mesmo o suficiente para cair ou desistir.

Ter medo de sair do ninho, voar desajeitadamente e revelar a nossa imaturidade é sinal de maior cegueira e irracionalidade ainda, porque sem exercício as asas atrofiam, sem movimento os membros não se desenvolvem, sem pensar a mente não percebe... sem realmente analisar, o olhar é como um risco acidental numa folha de papel - acontece sem propósito definido, não resultanto numa conclusão em especial. Torna-se um risco sem razão, um desperdício de tinta, um desperdício de energia, de tempo, de vida.

Será que há algo mais ridículo que ter os instrumentos para alcançar a compreensão da vida, e ficar sentado a chorar a incompreensão que deriva da falta de uso que nos damos a nós mesmos? Bem, mais ridículo, só talvez viver de forma a degradar as nossas capacidades de compreensão e esperar perceber alguma coisa...

Enquanto vivemos para o Futuro, a Vida do Presente vai-nos passando pelos dedos como areia fina, e enquanto isso o Passado vai-nos perseguindo com todas as suas marcas e lágrimas, até nos lançar à morte e fazer de nós sombras e memórias. Quem não vive a vida mas vive o medo de sofrer e morrer, sofre e morre à espera da vida. E quem deixa a felicidade para amanhã já começa mal... já está a desperdiçar o dia de hoje.