Escrita Tribal

terça-feira, junho 14, 2005

O Jogo dos Vivos

Qualquer jogo para que seja envolvente necessita de ser desafiante, de alguma componente competitiva, de trazer ou proporcionar algo de novo, inesperado, que implique um mínimo de esforço para que nos recompense com sucesso. Imagine-se o que seria jogar um jogo de perguntas sabendo todas as respostas. Sem o desafio de falhar ou de competir com alguém por uma pontuação (por exemplo), tornar-se-ia um simples exercício de memória, e sem o desafio do esquecimento, seria um exercício de pura repetição da memória.

Imagine-se: quem viria encarnar no planeta Terra, experienciar a vida humana, se já tivésse obtido todas as respostas a todas as perguntas e mistérios possíveis? O que haveria a descobrir aqui se já tudo se soubésse, se tudo já fosse adquirido? Qual o propósito de encarnar repetidamente, em condições semelhantes? Certamente haverão ainda muitas coisas para se descobrir, e por muitos seres pelos vistos, ou não seria este um planeta tão habitado.

Sejam bem vindos então ao Jogo dos Vivos. O seu objectivo é viver até morrer, tendo o jogador possibilidade de prolongar ou reduzir o seu tempo de estadia. Aqui poderão experienciar a felicidade e a infelicidade, a dor e o prazer, o acordar e o adormecer, entre tantas outras coisas. Esperamos que se divirtam e que aproveitem ao máximo o que o Jogo tem para vos oferecer.

Ps: Se tiverem alguma dúvida quanto ao regulamento, escrevam à vossa mente/humanidade/divindade/demoneidade a pergunta pretendida, e aguardem a(s) resposta(s), sob variadas formas *.

* Dependendo da capacidade pessoal de discernimento visual e inteligível, a resposta pode ser (mal) interpretada como lhe convier.

sábado, junho 11, 2005

Cegos, chatos e birrentos

Por mais que uma criança queira ser matura e ter atitudes que provem a sua maturidade, continuará a ser uma criança, da mesma forma que um pássaro que sai do ninho e efectua o seu primeiro vôo não pode ter a mesma agilidade, a mesma compreensão da aerodinâmica, dos ventos, tudo aquilo que com o viver vai aperfeiçoar o seu vôo.

A experiência, a tentativa e o erro, e a noção de que por mais que se pense que se saiba, haverá sempre mais a aprender, é a prova de que todos somos crianças, mesmo que tenhamos diferentes níveis de maturação numa ou noutra área.

A negação da nossa inexperiência, ou indignação quando alguém a afirma, é apenas evidência da nossa real infantilidade, reacção comparável ás birras de quem tem sono e quer à força ficar acordado. Mas as birras não enganam ninguém além do birrento, que não quer admitir a sua falta de maturidade.

A birra pode ser irritante, incómoda, incompreensível até, para quem tem de a suportar, porém, a mais absoluta cegueira acerca da birra está com o birrento, que esperneia, chateia, incomoda-se a si e aos outros, até conseguir cansar os outros ou e a si mesmo o suficiente para cair ou desistir.

Ter medo de sair do ninho, voar desajeitadamente e revelar a nossa imaturidade é sinal de maior cegueira e irracionalidade ainda, porque sem exercício as asas atrofiam, sem movimento os membros não se desenvolvem, sem pensar a mente não percebe... sem realmente analisar, o olhar é como um risco acidental numa folha de papel - acontece sem propósito definido, não resultanto numa conclusão em especial. Torna-se um risco sem razão, um desperdício de tinta, um desperdício de energia, de tempo, de vida.

Será que há algo mais ridículo que ter os instrumentos para alcançar a compreensão da vida, e ficar sentado a chorar a incompreensão que deriva da falta de uso que nos damos a nós mesmos? Bem, mais ridículo, só talvez viver de forma a degradar as nossas capacidades de compreensão e esperar perceber alguma coisa...

Enquanto vivemos para o Futuro, a Vida do Presente vai-nos passando pelos dedos como areia fina, e enquanto isso o Passado vai-nos perseguindo com todas as suas marcas e lágrimas, até nos lançar à morte e fazer de nós sombras e memórias. Quem não vive a vida mas vive o medo de sofrer e morrer, sofre e morre à espera da vida. E quem deixa a felicidade para amanhã já começa mal... já está a desperdiçar o dia de hoje.